Conta-nos João Evangelista que Jesus recomendou ao homem curado de deficiência física, quando o encontra no Templo:

Veja que já estás curado; não voltes a pecar, para que não te aconteça coisa pior.
— João 5:14.

Em palestra na Associação Espírita Fé e Caridade, a expositora Ângela Bueno menciona essa passagem do evangelho e também a passagem da mulher adúltera para nos trazer uma reflexão sobre o conceito do pecado.

“Fica claro que Jesus não somente estava preocupado com a situação em que se envolveu a personagem naquele momento em que O encontra, mas igualmente com o que ele poderia fazer dali para frente, pois em consequência de sua conduta poderia se ver em aflição pior,” comenta a palestrante.

O que é o pecado

Buscando entender o conceito de pecado, pode-se buscar a Wikipédia, onde se lê:

No hebraico e no grego comum, as formas verbais (em hebraico chatá; em grego hamartáno) significam “errar”, no sentido de errar ou não atingir um alvo, ideal ou padrão. Em latim, o termo é vertido por peccátu. O evangelista João utilizou os substantivos hamartia (ἁμαρτία), anomia (ἀνομία) e adikia (ἀδικία) para se referir ao pecado. Hamartia significa “errar o alvo”, “desviar-se do caminho (de retidão e honra)”. Segundo Champlin, esta palavra, porém, “veio [ao longo da história da Igreja] a ter também um significado geral, indicando o princípio e as manifestações de pecado, sem dar qualquer atenção a seu significado original.
— fonte: Wikipedia.

Derivado do termo utilizado por João Evangelista, hamartia, surge a denominação de Hamartiologia, para o qual também buscamos também a definição:

Hamartiologia (do grego transliterado hamartia = erro, pecado + logós = estudo), como sugere o próprio nome, é a ciência que estuda o pecado e as suas origens e consequências, ou — se preferível — o estudo sistematizado daquele tema (pecado). Referir, pois, hamartia como “pecado” no sentido espiritual judaico-cristão justifica-se por sua comprovada presença nos textos do Novo Testamento, da Bíblia Sagrada judaico-cristã, fato comprovável por várias traduções/versões de renome mundial, embora a concepção (logo, o conceito) de pecado, em si, variem com as culturas, posto que com as variadas concepções de espiritualidade e/ou religiosidade.
— Fonte: Wikipedia.

O estudo do pecado e sua origem inevitavelmente incorre na questão da natureza do mal, assim como da relação deste com o homem.

Conquanto usualmente concebido como ramo da teologia cristã, não é necessariamente a esta vinculado, pois esse conceito, em sua abrangência, complexidade e diversidade de entendimentos culturais enseja também, necessariamente, várias concepções em seu estudo.

É, assim, legítimo investigar a gênese e a dinâmica desse conceito e dos seus valores também sob outras ópticas, como a filosófica e a científica e, neste domínio, a médico-psicológica, todas elas necessariamente entrelaçadas pela ideia comum do pecado, como quer que isso signifique ou importe em particular para cada pessoa, per se e no seu núcleo vivencial.

Então, com base no conceito Judaico-Cristão para hamartia, ou seja, pecado, pode-se entender que pecar seja basicamente “ errar o alvo”, onde: 

  1. O alvo é o cumprimento da Lei Divina a qual, de acordo com a espiritualidade superior, está contida na nossa consciência (questões 621-624 do LE) e 
  2. O descumprimento da Lei, o erro, se dá por nosso comportamento de rebeldia/teimosia/ignorância/maldade, em não cumprir a Lei.

Embora o objetivo aqui não seja o aprofundamento da ciência da Hamartiologia, pode-se deduzir, empiricamente, que ao longo da história da civilização humana o conceito de pecado muitas vezes passou a ter uma conotação de certa forma pueril.

Sendo assim, é de conhecimento comum que, mesmo em diferentes comunidades cristãs, o “peso” de algumas atitudes, que são consideradas pecadoras em certas comunidades, pode ser maior em algumas comunidades do que em outras, ou até mesmo desconsiderado em algumas outras. Por exemplo: trabalhar nos sábados, somente usar certos tipos de vestimentas, pronunciar ou não certas palavras, comer carne na semana santa, batizar ou não batizar, etc.

Pecado e convenção social

Todos nós que, através das escrituras, já tomamos conhecimento da conduta de Jesus, aprendemos que Ele não considerou importante respeitar certos padrões de comportamento social adotados pelos judeus da época e apenas como exemplos lembramos aqui algumas destas passagens em que isto se deu: curou no sábado (João 5: 8-11), falou com mulheres (João 4: 1-44), pousou na casa de publicanos (Lucas 19: 1- 10), falava com prostitutas (Lucas 7: 38-50), etc.

Então, o que Jesus tentava despertar em nossa consciência com Sua conduta a respeito das normas pré-estabelecidas, consideradas pecado em sua época?

Lembra-nos o palestrante espírita Haroldo Dutra Dias que o Cristo quebrou diversas convenções sociais de seu tempo. Fez assim também com a dimensão do pecado. Já no Sermão do Monte Ele nos ensinou que pecar é menos um ato do que uma intenção (Mateus 5: 21-39), ou seja, um propósito no mal é grave mesmo que não resulte em ação, ou que a intenção não se realize.

Haroldo nos alerta para a intenção do gesto malévolo, pois qualquer que seja ele, ele nasce da emoção. A inteligência coloca a intenção, a emoção, em prática, mas a sua origem é o coração.

Entretanto, verifica-se uma incoerência neste processo. Sendo o nosso Criador perfeitamente bom, como se concebe o mal em nós?

Diz-nos Haroldo: “quando nós pecamos, é porque no momento estamos sendo absolutamente incoerentes com o nosso sentimento… e é essa incoerência que nos adoece”.

Consciência do mal

Consciência todos temos, mas consciência é algo que não nos impede de errar. Quem erra tem consciência do mal que está fazendo, em primeiro lugar porque não gostaria de estar no lugar da vítima. Portanto, diz Haroldo, “a consciência não nos impede de praticar o mal, ela impede de termos paz depois do mal praticado… Então, esta ausência de paz, este desconforto, é o pecado. Não é a roupa, não é comer carne de porco, nada disto”.

E o paradigma espírita vem alargar nossa compreensão sobre o pecado, porque, ao contrário do que acreditamos em outros tempos, agora sabemos que Deus não fica nos vigiando, controlando o que comemos, em que dia comemos, o comprimento da roupa, nada disto.

O nosso psiquismo não trabalha com ódio; nós não fomos feitos para ter mágoa, ela nos adoece. Nós não fomos feitos para gerar infelicidade. Nós não fomos feitos para gerar violência! Toda vez que eu causar um sofrimento em alguém, eu estou ferindo os mais profundos mecanismos da minha mente.

Nós fomos construídos por um Artífice Divino, por uma Inteligência Suprema, para operarmos no amor, no respeito, no afeto, na responsabilidade, no cuidado… Se eu prejudico o outro, o primeiro a ser prejudicado sou eu.

É por isto que a prática reiterada do mal enlouquece. O criminoso contumaz, não raro, sai do judiciário e vai para o psiquiatra. Praticar o mal causa adoecimento mental.

Por isto Jesus disse: “vá e não peques mais, para que não te suceda coisa pior”.

A exemplo do Cristo
“Ele bem sabia o que havia no homem.” — (JOÃO, 2.25)

Sim, Jesus não ignorava o que existia no homem, mas nunca se deixou impressionar negativamente.
Sabia que a usura morava com Zaqueu, contudo, trouxe-o da sovinice para a benemerência.
Não desconhecia que Madalena era possuída pelos gênios do mal, entretanto, renovou-a para o amor puro.
Reconheceu a vaidade intelectual de Nicodemos, mas deu-lhe novas concepções da grandeza e da excelsitude da vida.
Identificou a fraqueza de Simão Pedro, todavia, pouco a pouco instala no coração do discípulo a fortaleza espiritual que faria dele o sustentáculo do Cristianismo nascente.
Vê as dúvidas de Tomé, sem desampará-lo.
Conhece a sombra que habita em Judas, sem negar-lhe o culto da afeição.
Jesus preocupou-se, acima de tudo, em proporcionar a cada alma uma visão mais ampla da vida e em quinhoar cada Espírito com eficientes recursos de renovação para o bem.
Não condenes, pois, o próximo porque nele observes a inferioridade e a imperfeição.
A exemplo do Cristo, ajuda quanto possas.
O Amigo Divino sabe o que existe em nós… Ele não desconhece a nossa pesada e escura bagagem do pretérito, nas dificuldades do nosso presente, recheado de hesitações e de erros, mas nem por isso deixa de estender-nos amorosamente as mãos.
— Emmanuel, no livro Fonte Viva capítulo 109, pela psicografia de Francisco Candido Xavier.

Acompanhe a íntegra da palestra que inspirou esta publicação:

*Colaborou para esta publicação: Ângela Bueno.
**Imagem em destaque: via pexels.com

Categorias: Notícias

0 comentário

Deixe um comentário

Avatar placeholder

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *