Em palestra na Associação Espírita Fé e Caridade, o expositor Luiz Fernando inicia sua apresentação ressaltando a dificuldade que a posse material apresenta. Ele assinala como a fortuna tem sido empecilho de progresso moral para os seres humanos, em todas as épocas da humanidade.

Jesus trouxe todos os ensinamentos para nos orientar nas sendas do caminho reto, e se utiliza dessa passagem para educar o povo e aos discípulos que o acompanhavam, pois esses consideravam que para seguir o mestre, haveriam de se despojar de todos os bens, ficando apenas com as vestes do corpo.

Jesus em casa de Zaqueu

Temos no evangelho de Lucas, capítulo 19 versículos de 1-10 que:

Tendo Jesus entrado em Jericó, passava pela cidade; — e havia ali um homem chamado Zaqueu, chefe dos publicanos e muito rico, — o qual, desejoso de ver a Jesus, para conhece-lo, não o conseguia devido à multidão, por ser ele de estatura muito baixa; — por isso, correu à frente da turba e subiu a um sicômoro, para o ver, porquanto ele tinha de passar por ali. — Chegando a esse lugar, Jesus dirigiu para o alto o olhar e, vendo-o, disse-lhe: Zaqueu, dá-te pressa em descer, porquanto preciso que me hospedes hoje em tua casa. — Zaqueu desceu imediatamente e o recebeu jubiloso. — Vendo isso, todos murmuravam, a dizer: Ele foi hospedar-se em casa de um homem de má vida.
Entretanto, Zaqueu, pondo-se diante do Senhor, lhe disse: Senhor, dou a metade dos meus bens aos pobres e, se causei dano a alguém, seja no que for, indenizo-o com quatro tantos. — Ao que Jesus lhe disse: Esta casa recebeu hoje a salvação, porque também este é filho de Abraão; — visto que o Filho do homem veio para procurar e salvar o que estava perdido. 

Na introdução do Evangelho Segundo O Espiritismo, Allan Kardec nos explica mais sobre os publicanos:

Eram assim chamados, na antiga Roma, os cavalheiros arrendatários das taxas públicas, incumbidos da cobrança dos impostos e das rendas de toda espécie, quer em Roma mesma, quer nas outras partes do Império. De toda a dominação romana, o imposto foi o que os judeus mais dificilmente aceitaram e o que mais irritação causou entre eles. 
— ESE, Introdução, Notícias Históricas.

Emanuel escreve no Livro da Caridade que muitos viam em Zaqueu o avarento incorrigível. O Mestre, no entanto, nele identificou o homem rico de nobre coração, capaz de transfigurar a riqueza em trabalho e beneficência.

Humberto de Campos nos traz o belíssimo ensinamento de Jesus na mensagem “O Servo Bom”, em que demonstra Sua capacidade de ver o bem onde todos supõe o mau.

Um publicano abastado, de nome Zaqueu, conhecia o renome do Messias e desejava vê-lo. Chefe prestigioso na sua cidade, homem rico e enérgico, Zaqueu era, porém, de pequena estatura, tanto assim que, buscando satisfazer ao seu vivo desejo, procurou acomodar-se sobre um sicômoro, levado pela ansiosa expectativa com que esperava a passagem de Jesus. Coração inundado de curiosidade e de sensações alegres, o chefe publicano, ao aproximar-se o Messias, admirou-lhe o porte nobre e simples, sentindo-se magnetizado pela sua indefinível simpatia. Altamente surpreendido, verificou que o Mestre estacionara a seu lado e lhe dizia com acento íntimo:
— Zaqueu, desce dessa árvore, porque hoje necessito de tua hospitalidade e de tua companhia.
Sem que pudesse traduzir o que se passava em seu coração, o publicano de Jericó desceu de sua improvisada galeria, possuído de imenso júbilo. Abraçou-se a Jesus com prazer espontâneo e ordenou todas as providências para que o querido hóspede e sua comitiva fossem recebidos em casa com a maior alegria. O Mestre deu o braço ao publicano e escutava, atento, as suas observações mais insignificantes, com grande escândalo da maioria dos discípulos. — “Não se tratava de um rico que devia ser condenado?” — perguntava Filipe a si próprio. E Simão Pedro refletia intimamente: — “Como justificar tudo isto, se Zaqueu é um homem de dinheiro e pecador perante a lei?”
A breves instantes, porém, toda a comitiva penetrava na residência do publicano, que não ocultava o seu contentamento inexcedível. Jesus lhe conquistara as atenções, tocando-lhe as fibras mais íntimas do Espírito, com a sua presença generosa. Tratava-se de um hóspede bem-amado, que lhe ficaria eternamente no coração.
Aproximava-se o crepúsculo, quando Zaqueu mandou oferecer uma leve refeição a todo o povo, em sinal de alegria, sentando-se com Jesus e os seus discípulos sob um vasto alpendre. A palestra versava sobre a nova doutrina e, sabendo que o Mestre não perdia ensejo de condenar as riquezas criminosas do mundo, o publicano esclarecia, com toda a sinceridade de sua alma:
— Senhor, é verdade que tenho sido observado como um homem de vida reprovável; mas, desde muitos anos, venho procurando empregar o dinheiro de modo que represente benefícios para todos os que me rodeiem na vida. Compreendendo que aqui em Jericó havia muitos pais de família sem trabalho, organizei múltiplos serviços de criação de animais e de cultivo permanente da terra. Até de Jerusalém, muitas famílias já vieram buscar, em meus trabalhos, o indispensável recurso à vida!…
— Abençoado seja o teu esforço! — replicou Jesus, cheio de bondade.
Zaqueu ganhou novas forças e murmurou:
— Os servos de minha casa nunca me encontraram sem a sincera disposição de servi-los. — Regozijo-me contigo — exclamou o Messias —, porque todos nós somos servos de Nosso Pai.
O publicano, que tantas vezes fora injustamente acusado, experimentou grande satisfação. A palavra de Jesus era uma recompensa valiosa à sua consciência dedicada ao bem coletivo. Extasiado, levantou-se e, estendendo ao Cristo as mãos, exclamou alegremente:
— Senhor! Senhor! tão profunda é a minha alegria, que repartirei hoje, com todos os necessitados, a metade dos meus bens, e, se nalguma coisa tenho prejudicado a alguém, indenizá-lo-ei, quadruplicadamente!…
Jesus o abraçou com um formoso sorriso e respondeu: — Bem-aventurado és tu que agora contemplas em tua casa a verdadeira salvação.
Alguns dos discípulos, notadamente Filipe e Simão, não conseguiam ocultar suas deduções desagradáveis. Mais ou menos aferrados às leis judaicas e atentando somente no sentido literal das lições do Messias, estranhavam aquela afabilidade de Jesus, aprovando os atos de um rico do mundo, confessadamente publicano e pecador. E como o dono da casa se ausentasse da reunião por alguns minutos, a fim de providenciar sobre a vinda de seus filhos para conhecerem o Messias, Pedro e outros prorromperam numa chuva de pequeninas perguntas: Por que tamanha aprovação a um rico mesquinho? As riquezas não eram condenadas pelo Evangelho do Reino? Por que não se hospedarem numa casa humilde e, sim, naquela vivenda suntuosa, em contraposição aos ensinos da humildade? Poderia alguém servir a Deus e ao mundo de pecados?
O Mestre deixou que cessassem as interrogações e esclareceu com generosa firmeza:
— Amigos, acreditais, porventura, que o Evangelho tenha vindo ao mundo para transformar todos os homens em miseráveis mendigos? Qual a esmola maior: a que socorre as necessidades de um dia ou a que adota providências para uma vida inteira?
No mundo vivem os que entesouram na Terra e os que entesouram no Céu. Os primeiros escondem suas possibilidades no cofre da ambição e do egoísmo e, por vezes, atiram moedas douradas ao faminto que passa, procurando livrar-se de sua presença; os segundos ligam suas existências a vidas numerosas, fazendo de seus servos e dos auxiliares de esforços a continuação de sua própria família. Estes últimos sabem empregar o sagrado depósito de Deus e são seus mordomos fiéis, à face do mundo.
Os apóstolos ouviam-no, espantados. Filipe, desejoso de se justificar, depois da argumentação incisiva do Cristo, exclamou:
— Senhor, eu não compreendia bem, porque trazia o meu pensamento fixado nos pobres que a vossa bondade nos ensinou a amar.
— Entretanto, Filipe — elucidou o Mestre —, é necessário não nos perdermos em viciações do sentimento. Nunca ouviste falar numa terra pobre, numa árvore pobre, em animais desamparados? E acima de tudo, nesses quadros da natureza a que Zaqueu procura atender, não vês o homem, nosso irmão? Qual será o mais infeliz: o mendigo sem responsabilidade, a não ser a de sua própria manutenção, ou um pai carregado de filhinhos a lhe pedirem pão?
Como André o observasse, com grande brilho nos olhos, maravilhado com as suas explicações, o Mestre acentuou:
— Sim, amigos! ditosos os que repartirem os seus bens com os pobres; mas, bem-aventurados também os que consagrarem suas possibilidades aos movimentos da vida, cientes de que o mundo é um grande necessitado, e que sabem, assim, servir a Deus com as riquezas que lhes foram confiadas!
Em seguida, Zaqueu mandou servir uma grande mesa ao Senhor e aos discípulos, onde Jesus partiu o pão, partilhando do contentamento geral. Impulsionado por um júbilo insopitável, o chefe publicano de Jericó apresentou seus filhos a Jesus e mandou que seus servos festejassem aquela noite memorável para o seu coração.
Nos terreiros amplos da casa, crianças e velhos felizes cantaram hinos de cariciosa ventura, enquanto jovens em grande número tocavam flautas, enchendo de harmonias o ambiente.
Foi então que Jesus, reunidos todos, contou a formosa parábola dos talentos, conforme a narrativa dos apóstolos, e foi também que, pousando enternecido e generoso olhar sobre a figura de Zaqueu, seus lábios divinos pronunciaram as imorredouras palavras: — “Bem-aventurado sejas tu, servo bom e fiel!”
— Livro Boa Nova, Capítulo 23.

Emmanuel nos traz a reflexão na mensagem “Ante o Próximo”, pela psicografia de Francisco Candido Xavier: 

Quando as circunstâncias nos oferecem incompreensões ou acusações, em torno do próximo, busquemos examinar acontecimentos e pessoas com os olhos do Cristo. Imaginemo-nos de posse do senso divino, sem perder a noção de nossa reconhecida pequenez e a incomensurável grandeza daquele a quem nomeamos por nosso Mestre e Senhor.”
Como teria visto Jesus a estreita espiritualidade do seu tempo, senão por gleba inculta que lhe cabia arrotear e semear? Como teria apreciado as críticas que lhe acompanharam a obra a não ser por tumulto necessário de opiniões, a fim de que a verdade prevalecesse? Fossem quais fossem as crises, jamais perdia o mais alto padrão de serenidade, aproveitando o tempo para construir e situando no futuro a concretização dos seus luminosos objetivos.
— Livro “Caridade”, capítulo 10.

Emprego da riqueza

Transcorre o tempo, os ensinamentos de Jesus voltam a serem reavivados através do magnífico trabalho do Codificador da Doutrina Espírita, Allan Kardec. Em O Evangelho Segundo Espiritismo, no Capitulo 16, “Não se Pode Servir a Deus e a Mamon”, temos um roteiro de orientações sobre esse assunto. Em especial no item 14, “Desprendimento dos Bens Terrenos”, Lacordaire vem relembrar essa lição do mestre:

A ninguém ordena o Senhor que se despoje do que possua, condenando-se a uma voluntária mendicidade, porquanto o que tal fizesse tornar-se-ia em carga para a sociedade; proceder assim fora compreender mal o desprendimento dos bens terrenos. Fora egoísmo de outro gênero, porque seria o indivíduo eximir-se da responsabilidade que a riqueza faz pesar sobre aquele que a possui.  Deus a concede a quem bem lhe parece, a fim de que a administre em proveito de todos. O rico tem, pois, uma missão, que ele pode embelezar e tornar proveitosa a si mesmo; rejeitar a riqueza, quando Deus a outorga, é renunciar aos benefícios do bem que se pode fazer, gerindo-a com critério.  Sabendo prescindir dela quando não a tem, sabendo empregá-la utilmente quando a possui, sabendo sacrificá-la quando necessário, procede a criatura de acordo com os desígnios do Senhor.

Ainda na codificação, o Espírito Cheverus nos convida a colocar riquezas sobre uma base que nunca faltará e que trará grandes lucros: a das boas obras. Ele diz:

A riqueza da inteligência deves utilizá-la como a do ouro. Derrama em torno de ti os tesouros da instrução; derrama sobre teus irmãos os tesouros do teu amor e eles frutificarão.
— Cheverus, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo 16, item 11.

Fénelon no mesmo capítulo, já no item 13, esclarece que: 

Sendo o homem o depositário, o administrador dos bens que Deus lhe pôs nas mãos, contas severas lhe serão pedidas do emprego que lhes haja ele dado, em virtude do seu livre arbítrio.  O mau uso consiste em os aplicar exclusivamente na sua satisfação pessoal; bom é o uso, ao contrário, todas as vezes que deles resulta um bem qualquer para outrem; o mérito é proporcional ao sacrifício que se impõe.  A beneficência é apenas um modo de empregar-se a riqueza; ela dá alívio à miséria presente; aplaca a fome, preserva do frio e proporciona abrigo ao que não o tem.
— Fénelon, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo 16, item 13.

Acompanhe a íntegra da palestra que inspirou esta publicação:

* Colaborou para esta publicação: Marli Giarola Fragoso.

** Imagem em destaque: Scott Webb via Pexels.

Categorias: Notícias

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