Em palestra para a Doutrinária de quinta-feira da Associação Espírita Fé e Caridade, e transmitida pelos canais digitais da AEFC, a expositora Ana Paula Cunda nos traz uma reflexão sobre a desigualdade, as diferenças que muitas vezes observamos e ressaltamos uns nos outros.

Quando pensamos em desigualdade, por vezes podemos experimentar sentimentos de revolta diante da realidade em que vivemos no planeta. Mas, ao analisarmos à luz da Doutrina Espírita, compreendemos que todos, inclusive nós mesmos, ainda agimos de forma egoísta e segregacionista. Por isso a leitura e o estudo são tão importantes para que mudemos nossos hábitos ainda arraigados a antigos preconceitos.

Para compreendermos adequadamente, vejamos, primeiramente, o que significa a palavra desigualdade: desarmonia, desequilíbrio, diferença. Já dá para perceber que desigualdade é o contrário do equilíbrio.

Falemos então, da desigualdade, para entender a igualdade.

A desigualdade, criação humana

Vivemos num mundo onde as desigualdades são rotineiras e isso nos faz, por vezes, questionar a justiça divina, nos perguntamos como Deus permite que uns nasçam num ambiente de tanta fartura enquanto outros se mantêm em situações degradantes, onde nem os direitos fundamentais humanos são garantidos? Qual a razão para que haja tanto desequilíbrio?

Na visão espírita, entende-se que as desigualdades provém do próprio homem pois, para Deus, somos todos iguais. Vejamos o que dizem os espíritos, em O Livro dos Espíritos, capítulo IX:

803. Perante Deus, são iguais todos os homens?
“Sim, todos tendem para o mesmo fim e Deus fez suas leis para todos. Dizes frequentemente: “O Sol brilha para todos”, e com isso dizes uma verdade maior e mais geral do que pensais.”
Todos os homens são submetidos às mesmas leis naturais; todos nascem com a mesma fragilidade, estão sujeitos às mesmas dores e o corpo do rico se destrói como o do pobre. Deus não concedeu, portanto, superioridade natural a nenhum homem, nem pelo nascimento, nem pela morte, todos são iguais diante dEle.

Kardec deixa claro em seu comentário abaixo da resposta que pela criação somos iguais e viemos do mesmo ponto de partida. Mas vemos que muitos parecem estar em muito mais desvantagens, principalmente acerca da situação social.

O Livro dos Espíritos nos trazem a seguinte explicação:

806. É lei da natureza a desigualdade das condições sociais?
“Não; é obra do homem e não de Deus.”

Então, a realidade sobre a desigualdade é que ela é criada pelo próprio homem, em sua vontade de acumular bens materiais, em sua prática de explorar o próximo.

O homem criou as regras de comportamento, através de leis que regem a sociedade. Nesse aspecto, somos iguais, já que essas leis são normas de convívio em sociedade. A forma como os seres humanos interpretam e põem em prática essas leis é o que as fazem serem um instrumento de desigualdade. Essas leis dizem que somos todos iguais, mas não somos, na realidade, na prática. As leis funcionam como um regulador para tentar fazer com que o comportamento de um ser não prejudique a vida de outro e nos permite ter direitos. Como somos ainda imperfeitos, brigamos por nossos direitos, mas não queremos cumprir nossos deveres como cidadãos. A sociedade é dinâmica, também se transforma e o que era válido há tempos atrás já não é aceito nos dias de hoje, inclusive algumas leis foram extintas. Essas leis, é claro, não são perfeitas, como assim não o é o ser humano.

Iguais perante Deus

Somos espíritos e já vivemos muitas encarnações. No início desse texto, vimos que somos iguais perante Deus. Então, a lei de Deus, que está na consciência do espírito, é eterna e imutável, é a mesma de muito tempo atrás e será a mesma no futuro. Em O Livro dos Espíritos, na questão 614, vemos: “ A lei natural é a lei de Deus; é a única necessária à felicidade do homem”. Aí está a diferença: as leis dos homens regulam a sociedade por um período e ainda, de forma incompleta e falha, mas a Lei de Deus é eterna e o ser só se torna infeliz “porque dela se afasta” (questão 614, O Livro dos Espíritos).

As leis morais, ensinadas por Jesus e propagadas pelos espíritos superiores por meio da codificação de Allan Kardec, são regras de bem proceder. Elas nos permitem distinguir o bem do mal. As leis dos homens organizam a vida aqui, nesta encarnação, e cada país desse planeta tem leis diferenciadas e mutáveis. Já as leis morais são as mesmas para todos, sempre. 

Somos também espíritos imortais e em nossa evolução progressiva vamos aprendendo a agir no bem. Em uma encarnação não conseguimos absorver todos os ensinamentos de Jesus e transformar nosso comportamento, colocando em prática as lições de amor que nos foram passadas por tantos trabalhadores de Jesus, desde que Ele por aqui passou.

Desigualdade social

A desigualdade social representa um momento da sociedade à qual estamos ligados, bem como ao egoísmo e ao orgulho ainda presentes em nosso meio. No campo individual, o egoísmo e o orgulho nos afastam de ações mais solidárias e fraternas, o que cria este ciclo que parece interminável de oprimido-opressor. Mas conforme forem passando as encarnações, as experiências trarão nova mentalidade ao espírito, que entenderá, por fim, a importância do amor e da fraternidade para obtermos um mundo melhor.

À medida que vamos estudando, pensando, analisando, também vamos mudando nossas ações e diminuindo a desigualdade. Quando nos deparamos com o comportamento egoísta dos outros e com o nosso também, muitas vezes comentamos ou pensamos que a humanidade está completamente desequilibrada, parece que essa desarmonia não vai acabar. Mas não podemos esquecer que já reencarnamos várias vezes e assim ainda continuaremos. Nessas idas e vindas cometemos muitos erros e necessitamos resgatá-los, fazendo uma limpeza na energia deletéria em nós e que lançamos em torno de nós. 

Podemos concluir que a desigualdade é a consequência natural do que fizemos, fazemos e faremos. Quando olhamos para uma criança doente, sem tratamento adequado ou alguém com deficiência física ou mental, assim como todo tipo de sofrimento, em vez de cair em revolta, devemos tentar ver a todos como os espíritos que realmente somos.

É uma benção pensar que aos olhos de Deus somos todos iguais. Que isso nos sirva de consolo nas horas amargas em que nos sentimos diminuídos ou injustiçados. Ter a certeza que Ele vê tudo e que nos abraça o tempo todo com carinho é uma força para persistimos e continuarmos sem esquecer que as diferenças entre os seres aqui nesse planeta são só espinhos a serem experimentados para realizarmos nosso progresso.

Conhecer as Leis de Deus

619. Deus proporcionou a todos os homens os meios de conhecerem a sua lei?
“Todos podem conhecê-la, mas nem todos a compreendem; os que melhor compreendem são os homens de bem e os que desejam pesquisá-la. Não obstante, todos um dia a compreenderão, porque é necessário que o progresso se realize”.
— O Livro dos Espíritos.

Sofremos as consequências dos preconceitos, do racismo, da misoginia e outros tipos de rejeição, que nada mais são do que desequilíbrio. Usemos como exemplo o racismo, que acontece, historicamente, desde tempos remotos. É obra de Deus? Não. Nosso país é um caso emblemático do sofrimento dos negros escravizados que vieram da África, arrancados de suas famílias. Quando pensamos nisso, fica difícil entender como um ser pode maltratar outro que é seu igual. Mas também devemos lembrar que vários movimentos surgiram em protesto a esse tipo de preconceito, bem como pessoas notáveis, como Luiz Gama, Nelson Mandela, Martin Luther King e outros. O homem cria o preconceito, mas Deus, que tudo vê, auxilia, mostrando caminhos de amor para que aconteça a transformação. 

O amor é o caminho. E o equilíbrio vai se fazendo, a seu tempo. Aquele que pratica atos de preconceito, de separação ou desamor vai se responsabilizar e responder por seus atos perante a própria consciência. É da Lei. E assim vamos aprendendo a lição básica: “pela criação, somos iguais”. Seguimos caminhos e ritmos diferenciados porque Jesus não viola consciências. Ele bate à porta, cabe a nós abrirmos e permitirmos sua entrada em nossa mente e coração. 

Todos encontraremos a estrada do bem em todos os nossos pensamentos, palavras e ações. A diferença está no grau de experiência e na vontade (livre-arbítrio). A mistura de aptidões na Terra é necessária, o que um não faz, o outro faz e, aquilo que é feito serve de exemplo, como quando os habitantes do mundo superior vêm aqui habitar, para nos auxiliar (conforme a questão 804 de O Livro dos Espíritos).

Igualdade significa equilíbrio, unidade, afeição. Perante Deus, somos iguais. Entre nós, seres humanos, precisamos aprender a harmonia!

Precisamos trabalhar, vigiar, orar e lembrar O Evangelho Segundo o Espiritismo, em seu capítulo XVII: “o verdadeiro homem de bem é o que cumpre a lei de justiça, de amor e de caridade, na sua maior pureza.” Façamos o bem pelo bem. Sejamos bons, humanos e benevolentes para com todos.

Acompanhe agora a íntegra da palestra que inspirou esta publicação:

Referências:

– O Evangelho segundo o Espiritismo. Cap. XVII. item 3 (O homem de bem).
– O Livro dos Espíritos. Questões 614, 619, 803, 84 e 806.

*Colaborou para esta publicação: Susana Rodrigues.
**Imagem em destaque: via pexels.com

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