Em palestra na Associação Espírita Fé e Caridade, a trabalhadora da casa Elisa Luz abordou o tema que trata sobre a Felicidade e infelicidade relativas. Elisa contextualiza a exposição a parte do Livro dos Espíritos, parte quarta (das esperanças e consolações), capítulo I, que aborda as penas e gozos terrestres.

920. Pode o homem gozar de completa felicidade na Terra?
Não, pois a vida lhe foi dada como prova ou expiação. Dele, porém, depende a suavização de seus males e o ser tão feliz quanto possível na Terra.
— O Livro dos Espíritos.

Afinal, o que é felicidade?

Na antiguidade acreditava-se que as pessoas poderiam ser felizes ou não se os deuses assim o quisessem. Essa crença levava ao conformismo em relação à situação em que cada pessoa se encontrava e a responsabilidade em relação à felicidade era transferida a alguém superior, ao desconhecido.

Num próximo momento, eram os filósofos os responsáveis por dirimir as diversas dúvidas sobre a existência e os dramas vivenciados pelos homens. Eram eles que buscavam uma lógica e respondiam sobre os mais diversos questionamentos, inclusive sobre esse aspecto da felicidade.

Com a vinda de Sócrates, a felicidade passou a ter outro significado a partir do momento em que ele questionou:

  • O que é felicidade?
  • Como atingi-la?

Para Sócrates, era possível ser feliz a partir do conhecimento de si mesmo, pois ao nos conhecermos reconheceríamos nossas limitações, nossos prazeres e poderíamos conhecer melhor o outro também.

A noção de felicidade é, assim, algo muito pessoal, pois aquilo que faz uns felizes pode não significar felicidade para outros.

Então, como saber o que é felicidade?

Para a sociedade ser feliz é ter dinheiro, um bom lar, bens materiais, emprego, estar na moda, casar, ter filhos, poder passear ou viajar, dentre tantas outras coisas, de modo que pessoas que estejam fora deste estereótipo não são felizes (ou não parecem felizes) — como se fosse possível olhar para o outro e dizer com precisão o que lhe faria feliz.

Hoje em dia, neurologistas já conseguem identificar as áreas que são ativadas pelo cérebro quando nos sentimos felizes.

Em paralelo, curiosamente, foi um economista, Richard Layard, quem notou que o aumento de renda em determinados países não fez crescer na mesma proporção a felicidade das pessoas, dissociando, assim, a crença de que o dinheiro traria necessariamente felicidade. Para ele

“[…] felicidade é sentir-se bem, gozar a vida”.

Jesus, ao dizer que a felicidade não seria deste mundo, provavelmente não quis afirmar que na Terra as pessoas não poderiam ser felizes, mas que o que Ele entendia/concebia por felicidade estaria bem longe do que conhecemos ou poderíamos conhecer neste planeta.

E, também, que a felicidade não seria uma constante em nossas vidas, o que não impediria o ser de experimentar momentos felizes.

Para Kardec:

A felicidade depende das qualidades próprias do indivíduo e não do estado material do meio em que se acha.
Revista espírita, março, 1865, “Onde está o céu?”.

Porque o cultivo e o exercício das qualidades (virtudes) dirão se ele é feliz ou não, de modo que as pessoas que nunca estão de bem com a vida geralmente são mais infelizes do que aquelas que não encontram o prazer nas circunstâncias simples do cotidiano.

Se a felicidade for entendida como uma tarefa humana, peculiar a cada indivíduo, então ela se transmuda de inalcançável para possível, já que todos podem saber como buscar e desfrutar de sua felicidade, na mesma proporção em que compreendem que, para o outro, ela tem um significado diferente, ainda que se aproxime do seu.

Felicidade relativa

Será que mesmo num mundo de provas e expiações conseguiremos alcançar uma vida feliz, equilibrada, serena?

921. Concebe-se que o homem será feliz na Terra, quando a humanidade estiver transformada. Mas, enquanto isso não se verifica, poderá conseguir uma felicidade relativa?
O homem é quase sempre o obreiro da sua própria infelicidade. Pela prática da lei de Deus, a muitos males pode forrar-se, proporcionando a si mesmo felicidade tão grande quanto o comporte a sua existência grosseira.
— O Livro dos Espíritos.

A resposta dessa pergunta é intrigante porque ao questionar sobre felicidade relativa a espiritualidade nos aponta ao compromisso individual de estarmos sendo obreiros de nossa infelicidade.

Fazemos escolhas, temos nosso livre-arbítrio e tantas vezes não percebemos que muito do que nos faz infelizes e não nos permite alcançar a felicidade, mesmo que relativa, é resultado dessas nossas escolhas.

Escolhas felizes

Então será que não é esse o momento de mudarmos o foco e buscarmos escolhas que nos tragam a tal esperada felicidade?

Emmanuel e Andre Luiz nos trazem reflexões sobre esse tema no capítulo 40 intitulado “Felizes e Infelizes” do livro Opinião Espírita, psicografado por Chico Xavier e Waldo Vieira

O conceito espírita da felicidade nem sempre enxerga os felizes onde o mundo os coloca.
— Opinião Espírita, capítulo 40.

A fama, o prestígio, a busca de recursos materiais, a vida perfeita, o ter em detrimento do ser. Seriam esses os atributos da felicidade?

Podemos lembrar de Saulo que, antes de se converter em Paulo, por volta dos seus 30 anos de idade, tinha quase tudo o que queria. Vindo de família rica, seu pai era comerciante conhecido em toda a região da Arábia, Síria, vendendo seus tecidos.

Estudou com os mestres da escola de Alexandria, da escola de Atenas. Educado com o que havia de melhor. Era dotado de uma inteligência aguçada, tinha a beleza de uma juventude e uma bela noiva. Mas não reconhecia nessa vida a paz e a felicidade que gostaria de encontrar quando observava homens e mulheres simples no subúrbio de Jerusalém.

Como explicar?

Só mais adiante percebeu que a base daquela felicidade não era externa. Foi necessário passar por momentos de dificuldade, de superação, de medos e renúncias para atender ao chamado do Mestre Jesus. Os detalhes dessa história você pode conferir na obra Paulo e Estevão.

Há pessoas que requisitam demasiado conforto, na preocupação de serem felizes, e acabam infelizes, estiradas no tédio.
— Opinião Espírita, capítulo 40.

Para quem procura uma vida feliz na sombra e água fresca, durante as férias em momentos de descanso, é importante lembrar que tudo na vida é movimento, é constante transformação. Depois de momentos de paralisação, o próximo passo pode ser a recaída no tédio. Por que esperar momentos apropriados para sermos felizes? Agora é o momento de observarmos essa felicidade que já conseguimos viver, mesmo que nos pareça altamente limitada.

Aqui e além, surgem, sem conta, os felizes-infelizes nos enganos a que se arrojam e os infelizes-felizes, nas provações em que se elevam.
Sócrates, considerado infeliz, é o pai da filosofia.
— Opinião Espírita, capítulo 40.

Quantas vezes assumimos papéis de felizes infelizes ou infelizes felizes?

Como menciona o texto Sócrates foi considerado por muitos um infeliz. Vale lembrar que ele falava de um Deus único e foi julgado, acusado de perverter jovens atenienses com ideias de liberdade nos corações.

Foi preso e humilhado, mas seu espírito generoso não se acovarda diante das provas rudes. Recusou fugir da prisão quando teve o apoio de alguns juízes que criticavam a forma como ele estava sendo tratado, entendendo a importância de suas ideias. Era a consciência de sua missão.

(…) quando a esposa, Xantipa, assoma às grades da prisão para comunicar-lhe a nefanda condenação à morte pela cicuta, ei-la exclamando no auge da angústia e desesperação:
— “Sócrates, Sócrates, os juízes te condenaram à morte…”
— “Que tem isso? — responde resignadamente o filósofo — eles também estão condenados pela Natureza.”
— “Mas essa condenação é injusta…” — soluça ainda a desolada esposa.
E ele a esclarece com um olhar de paciência e de carinho:
— “E quererias que ela fosse justa?”
Senhor do seu valoroso e resignado heroísmo, Sócrates abandona a Terra, alçando-se de novo aos páramos constelados, onde o aguardava a bênção de Jesus.
— do livro A Caminho da Luz (Emmanuel, na psicografia de Francisco Candido Xavier).

A felicidade e o essencial

Por fim vale citar uma mensagem linda que é relatada no livro Jesus no Lar, de Francisco Candido Xavier pelo Espírito Neio Lúcio. Em determinado momento, os discípulos conversavam sobre quais seriam as coisas essenciais para que atingissem o bem-estar, quando Jesus comenta:

— É indispensável que a criatura entenda a própria felicidade para que se não transforme, ao perdê-la, em triste fantasma da lamentação. Longe das verdades mais simples da Natureza, mergulha-se o homem na onda pesada de fantasiosos artifícios, exterminando o tempo e a vida, através de inquietações desnecessárias.
— Jesus no Lar.

Jesus arremata sua fala trazendo um interessante relato:

— Ilustre dama romana, em companhia dum filhinho de cinco anos, dirigia-se da cidade dos Césares para Esmirna, em luxuosa galera de sua pátria. Ao penetrar na embarcação, fizera-se acompanhar de dois escravos, carregados de volumosa bagagem de jóias diferentes: colares e camafeus, braceletes e redes de ouro, adornados com pedrarias, revelavam-lhe a predileção pelos enfeites raros. Todo o pessoal de serviço inclinou-se, com respeito, ao vê-la passar, tão elevada era a expressão do tesouro que trazia para bordo.
Tão logo se fêz o barco ao mar alto, a distinta senhora converteu-se no centro das atenções gerais. Nas festas de cordialidade era o objetivo de todos os interesses pelos adornos brilhantes com que se apresentava.
A excursão prosseguia tranquila, quando, em certa manhã ensolarada, apareceu o imprevisto. O choque em traiçoeiro recife abre extensa brecha na galera e as águas a invadem. Longas horas de luta surgem com a expectativa de refazimento; entretanto, um abalo mais forte leva o navio a posição irremediável e alguns botes descidos são colocados à disposição dos viajantes para os trabalhos de salvamento possível.
A ilustre patrícia é chamada à pressa. A jovem matrona abraça o filhinho, esperançosa e aflita. Dentro em pouco ela atinge o pequeno barco de socorro, sustentando a criança e pequeno pacote em que os companheiros julgaram trouxesse as jóias mais valiosas. Todavia, apresentando o conteúdo aos poucos irmãos de infortúnio que seguiriam junto dela, exclamou:
— Meu filho é o que possuo de mais precioso e aqui tenho o que considero de mais útil. O insignificante volume continha dois pães e dez figos maduros, com os quais se alimentou a reduzida comunidade de náufragos, durante as horas aflitivas que os separavam da terra firme.
— Jesus no Lar.

A mensagem final nos leva a reflexão sobre a base da felicidade real, indicando que ela não vai se fundamentar em riquezas transitórias porque chegará o dia em que o homem inevitavelmente irá se separar de seus bens exteriores, mesmo que sejam os mais queridos ao coração.

Mas não é preciso esperar esse dia, essa separação, para vivenciarmos momentos felizes, mesmo que pequenos, mesmo que relativos. A chamada felicidade pode ser alcançada com pequenas ações de amor, de busca ao que temos de melhor dentro de nós mesmos.

Que saibamos encontrar essa felicidade nas oportunidades, nas dores, nas cores e nos amores.

Acompanhe a íntegra da palestra que inspirou esta publicação:

*Colaborou para esta publicação: Elisa Flemming Luz.

**Imagem em destaque via pexels.com

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